Este é um texto traduzido do famoso maestro do estudo do autoconhecimento, George Ivanovich Gurdjieff (1866-1949).
Será publicado em duas partes.
Disfrutem, pois é um magnífico texto, que contém inclusive alguns exercícios de meditação.
1ª Parte
Imagina que só tens uns poucos minutos, talvez uma hora para viver; de alguma maneira descobriste exatamente quando morrerás. Que farias com esta preciosa hora de estadia na Terra? Serias capaz de terminar todas as tuas coisas nessa última hora? Tens uma idéia consciente de como fazê-lo?
E soltando teu último hálito: sentirias satisfação ao saber que tens feito todo o possível nesta vida, para dar-se conta que estás presente constantemente, sempre vibrando, sempre esperando, como o filho espera seu pai marinheiro? Neste mundo manifestado tudo tem seu principio e seu fim. No Mundo Real tudo está sempre presente e um formoso dia te permitirá esquecer tudo e deixar o mundo “para sempre”.
A liberdade vale um milhão de vezes mais que a liberação. Um homem livre, mesmo que seja um escravo segue sendo mestre de si mesmo. Por exemplo, se te dou algo, digamos, um carro, o qual não tem combustível, o carro não pode se mover. Teu carro precisa de um combustível especial, mas somente tu podes definir que tipo de combustível necessita e onde consegui-lo. Tens que definir-te a ti mesmo, de quê forma digerir minhas idéias para fazê-las tuas, para que pertençam somente a ti. Teu carro não pode trabalhar com o mesmo combustível que trabalha o meu. Sugiro-te somente o material principal. Tens que tirar disto só o que possas usar. Então, mais valiosamente, senta-te ao volante.
A vida orgânica é muito frágil. O corpo planetário pode morrer em qualquer momento. Sempre está a um passo da morte. E se te presenteia um dia a mais, é só uma oportunidade acidental dada pela natureza. Se puderes viver uma hora mais, podes te considerar uma pessoa afortunada. Desde o momento da concepção estamos vivendo um tempo emprestado. Vivendo neste mundo tens que sentir a morte a cada segundo, assim que resolve todos teus assuntos pendentes, inclusive em tua última hora. Mas como pode alguém saber exatamente saber qual é sua última hora? Para sentir-te seguro reconcilia-te com a Natureza e contigo mesmo em cada hora que te é dada, então nunca te encontrará desprevenido. Ao homem deveria ser ensinado isso desde a escola: como respirar, comer, mover-se e morrer melhor. Isto tem que converter-se n uma parte do programa educacional. Neste programa é necessário incluir o ensinamento sobre como dar-se conta da presença do “Eu” e também como estabelecer consciência.
Pergunta: Como agir se sentes que existe algo sem acabar?
Gurdjieff fez uma pausa. Respirou profundamente e respondeu:
Perguntaste quem estará em dificuldades se morres como um cachorro? No momento da morte tens que estar totalmente consciente de ti mesmo e sentir que tens feito todo o possível para usar tudo, dentro de tuas capacidades, nesta vida que te foi dada.
Agora não sabes muito sobre ti mesmo. Mas com cada dia que escaves mais e mais profundamente dentro desse montão de ossos começarás saber mais e mais detalhes. Dia a dia encontrarás o que deverias ter feito e o que tens que refazer dentro das coisas que fizestes. Um homem de verdade é aquele que pôde tomar da vida tudo que era valioso desta, e dizer: “Agora eu posso morrer”. Devemos tratar de viver a nossa vida de maneira que possamos dizer qualquer dia: “Hoje posso morrer sem arrepender-me de nada”.
Nunca gastes infrutuosamente tua última hora de vida, porque pode se tornar a hora mais importante para ti. Se a usas incorretamente, podes arrepender-te depois. Esta sincera emoção que sentes agora, pode se converter para ti numa poderosa fonte de força que pode te preparar para uma morte perfeita. Sabendo que a próxima hora pode ser a última para ti, absorve todas as impressões que te converterão num verdadeiro gourmet. Quando a dama da morte te chamar, prepare-te desde sempre. O mestre sabe como tomar de cada deliciosa peça o último detalhe do mais valioso. Aprende a ser o mestre da tua vida.
Quando eu era jovem aprendi a preparar fragrâncias. Aprendi a extrair a essência da vida, suas qualidades mais sutis. Busca em tudo o mais valioso, aprende a separar o fino do grosseiro. Quem aprendeu como extrair a essência, o mais importante de cada momento da vida, alcançou um sentido de qualidade. És capaz de fazer com o mundo algo que não poderia fazer um homem bruto.
Pode ser que nos últimos momentos da tua vida não tenhas a opção de onde e com quem estar, mas terás a opção de decidir se os viverás completamente. A habilidade de tomar o valioso da vida – é a mesma que tomar o mais valioso da comida, do ar e das impressões, as substâncias necessárias para desenrolar teus corpos superiores. Se queres tomar de tua vida o mais valioso para ti mesmo, tem que ser pelo bem superior; é suficiente deixar só um pouco para ti mesmo. Trabalhar em ti mesmo pelo bem dos outros é uma maneira inteligente de receber o melhor da vida para ti. Se não estás satisfeito com a última hora da tua vida, pode que tampouco estejas com tua vida inteira. Morrer significa passar através de algo que é impossível repetir de novo. Gastar teu precioso tempo em nada significa privar-te da oportunidade de extrair o mais valioso da vida.
Neste mundo, viver a vida, do principio ao fim, significa outro aspecto do Absoluto. Todos os grandes filósofos se prepararam cuidadosamente para a última hora de sua vida. E agora te darei um exercício para preparar-te para essa ultima hora na Terra. Trata de não interpretar mal nenhuma palavra do exercício dado.
O exercício:
Recorda a hora que passou como se fosse a tua última hora na Terra e que te deste conta que estás morto. Pergunta-te: estava satisfeito naquela hora? E agora, reanima-te de novo e estabelece um objetivo para ti mesmo. Na próxima hora (se és afortunado para viver uma a mais) trata de extrair da vida um pouco mais do o que fizeste na última hora. Define onde e quando deverias ter estado mais consciente, e onde deverias ter posto mais fogo interno.
E agora abre mais teus olhos e com isso me refiro a abrir mais possibilidades, seja um pouco mais valente do que foste na hora anterior. Já que sabes que esta é a tua ultima hora e que não tens nada a perder, tenta ganhar mais valentia, pelo menos agora. Obviamente não tens que fazer bobagens.
Chega a conhecer-te melhor, olha a tua maquina como se a visses desde fora. Agora, quando estás morrendo, não tem sentido manter tua reputação ou prestigio. De agora em diante, até a tua verdadeira última hora, luta com persistência para receber o mais valioso que podes da vida, desenvolve tua intuição. Toma uns poucos momentos de cada hora para observar a hora que passou, sem julgamentos e, depois, sintoniza-te para extrair mais da hora seguinte.
Se considerarmos cada hora como uma unidade de vida independente, deves tentar fazer o máximo que podes para usar cada unidade completamente. Esforça-te e encontra a maneira de fazer na hora seguinte muito mais do que na anterior, mas também esteja consciente das dívidas que acumulaste até esta hora. Aumenta a auto-exploração e o auto-conhecimento, e também aumenta a habilidade de dominar-te a ti mesmo, isto mudará o trabalho de tua máquina, que está sempre fora de controle. E estas habilidades podem se converter no início das verdadeiras mudanças. E é absolutamente intranscendente o que a máquina pensa sobre isso.
... Viver o resto de tua vida ensaiando a morte a cada hora, não é algo patológico. Ninguém recebe mais da vida do que um paciente com câncer, que sabe aproximadamente quando morrerá. Desde que ele reconheceu como deseja passar o resto de sua vida, ainda quando não terá como fazer uma mudança total como esta, poderá ir a algum lugar, onde sempre desejou ir, o que não faria em outras circunstâncias.
O homem que sabe que morrerá logo tratará de usar ao máximo cada hora do resto de sua vida. É exatamente isso ao que Cristo se referia quando disse que os últimos dias chegarão logo, os dias anteriores ao Juízo Final. Todos estão parados frente ao Juiz, mas não são os outros que nos julgam, e sim nós mesmos quem faremos a última estimativa de nossa vida. Não temos que falhar na prova mais importante, onde o juiz mais sério somos nós mesmos.
Cada momento, por si mesmo, representa uma partícula da Criação eterna. Por isso a cada momento podemos extrair as substâncias mais sutis, e a isso podemos chamar de “essência da vida”.
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